terça-feira, 12 de março de 2024

Eletracuzkos - #2

 Alaúde Fretless Elétrico e de corpo sólido!



Meu primeiríssimo instrumento foi a flauta doce ainda na escola pública, pois se ministrava aulas de música nas escolas públicas àquela época, e, além da flauta doce, aprendíamos o básico de escrita em pentagrama e um tanto de canto orfeônico. Porém o primeiro instrumento pelo qual me interessei e escolhi foi o cavaquinho. Aprendi o básico com o irmão de meu padrinho, o saudoso Lino, que me passou o "quadrado" e outros rudimentos harmônicos e rítmicos do cavaquinho "de centro". Já havia o fetiche pela guitarra elétrica e logo que possível passei para ela através de uma Giannini Apollo usada! Nunca abandonei completamente o cavaquinho e os encantos de instrumentos acústicos, ou eletroacústicos, de natureza mais étnica sempre me fascinaram... 


Mais tarde tive contato como técnico em meu antigo estúdio com o saudoso Mit Mujalli, que se tornou um super irmão, e a banda Luz da Ásia! Posteriormente pude inclusive fazer parte da formação final da mesma... Assim tive maior contato com a música étnica e a fusão desta com estilos modernos chamada de World Music. Concomitantemente minha fantástica irmã me trouxe da Turquia de presente um pequeno Saz ( ou Baglama, ou Buzuk... ) de seis cordas ( de aço ) afinadas duas a duas. Isso foi um divisor de águas para mim! Com o fascínio pelas músicas indiana, árabe, turca, balinesa, etc. procurei por possíveis instrumentos para aquisição. Eu estava muito próximo de adquirir um alaúde egípcio acústico tradicional ( muito bonito, diga-se de passagem ) quando conheci a tal possibilidade "guitarrística" do instrumento. Neste ponto, não lembro exatamente onde vi primeiro, mas finalmente conheci os alaúdes árabes elétricos de corpo sólido e captação por elemento piezo no cavalete. Ainda muito caro e dificultoso de importar, em conversas com o multitalentoso maestro, instrumentista e luthier Paulo Pereira de Freitas, pedi a ele que fizesse algo assim para mim. E ele fez o meu primeiro Al'ud elétrico e, digo tranquilamente, o fez muito bem! É este que aparece nas fotos mais antigas aqui na postagem. 

Ele está no meio do caminho entre o medieval e o árabe/turco. Tem doze cordas, seis cursos de cordas duplas. No caso do alaúde usa-se nos dias de hoje cordas de nylon com jogos parecidos com os usados em violões. O Maestro Paulo Freitas fazia seus próprios jogos de cordas. Depois descobri que a LaBella fazia jogos específicos para alaúdes turco/árabes. O braço era um pouco mais largo que os dos árabes ou turcos, como o do alaúde medieval. A "mão", ou o que seria o headstock num violão/guitarra, onde se encontram as cravelhas, ficava a 90º em relação à escala, como os alaúdes acústicos tradicionais. As cravelhas eram do mesmo tipo que se vê em instrumentos de corda como violinos, violas e violoncelos, com uma peça de madeira trespassando a madeira da "mão" do alaúde e com o furo para se prender as cordas e ter ação mecânica direta sobre a tensão das cordas.

Com o tempo eu substituí o captador piezo de rastilho, porém mantive a parte elétrica como era, sem pré-amplificação embutida, nem mesmo um controle passivo de volume no instrumento. Isso tudo era deixado a cargo de um "moderníssimo" ZOOM 504 Acoustic Compact Multi Effects Processor com um pedalzinho de expressão da própria ZOOM pra controlar o volume. Mesmo esse primeiro multiefeitos já imprimia muitas características sonoras interessantes que quebravam bastante a dureza da sonoridade do captador piezo de rastilho. Depois ainda usei um multiefeitos ZOOM A2, que vendi recentemente, e ainda uso uma A3, que é excelente para esse fim. Já para conseguir um efeito mais realista de uma sonoridade acústica usei um MOOER GE200 utilizando a possibilidade de carregar um Impulse Response de violão de nylon ( pois não achei o IR de um alaúde acústico ). Todas essas sonoridades estão presentes nos videos no final da postagem.

Alaúde Árabe


Alaude Medieval
O alaúde turco/árabe, entre outras diferenças básicas do alaúde medieval, é um instrumento sem trastes ( fretless ). Essa característica era a que ao mesmo tempo mais me seduzia e mais me assustava...rs. Felizmente o meu interesse e fascínio sobre esse instrumento me fez estudar e conseguir alguns bons resultados. As  possibilidades de articulação num instrumento fretless são sedutoras... E com cordas duplas de nylon realmente passava a ser algo muito diferente do que eu estava acostumado.

Outra característica diferente era como a corda é tangida. No alaúde medieval se usa o dedo para "beliscar" as cordas. No alaúde turco/árabe usa-se um plectro, ou palheta, comprido que mais parece um antigo aparato de plástico que se usava para manter bem esticados os colarinhos de camisas sociais. No meu caso, apesar de ter tentado tocar com esse plectrum específico, preferi manter a palheta de guitarra que já estava acostumado, com formato usual, apenas optei por uma espessura bem mais fina, bem "Light". Minha palheta referência para guitarra elétrica é a Fender Medium! Encontrei algumas até mais baratas que se encaixaram melhor na proposta!

A primeira questão em relação ao instrumento, seja ele acústico ou elétrico, seria definir a afinação básica do a ser usada. Após pesquisar bastante cheguei à conclusão de que o melhor seria usar uma afinação bem comum aos alaudistas árabes, toda em quartas, ficando assim do agudo para o grave: C - G - D - A - F e a mais grave em C ou usada como "drone", afinada levando em conta o tom da música a ser executada. Assim optei por usar apenas 11 cordas, 5 cursos duplos e o sexto simples para facilitar a reafinação! Essa afinação foi mais fácil e lógica para mim e facilitava a digitação de muitas peças árabes populares e até algumas turcas. O mais difícil no entanto foi passar a ter uma relação de memória muscular que torne cada vez mais precisa a afinação das notas digitadas. Paciência e estudo diário, não tem atalhos. Não me considero até hoje um alaudista de maneira alguma, apenas uso o instrumento por puro amor à sonoridade e possibilidades, mas ainda tento manter uma abordagem com um mínimo de proficiência.

Há alguns anos eu tive um acidente e a parte dos afinadores, a mão do alaúde, quebrou e isso me deixou sem instrumento. Ficava de ir visitar me u querido amigo Paulo de Freitas pra levar o instrumento avariado para seu criador consertá-lo. Mas nas correrias acabei por postergar bastante essa visita... Por outro lado surgiu a oportunidade de adquirir um Alaúde Elétrico feito na Turquia de um ótimo e conhecido guitarrista aqui do Rio - João Gaspar! Feito negócio, comecei a me adaptar ao novo instrumento. A largura do braço bem mais justa felizmente não comprometia a digitação de dedos gordos como os meus...rs. A parte de afinação tem um ângulo menos radical ( +/- 45° ) e usa cravelhas mais modernas e comuns para o músico popular, o que fica muito mais fácil para um músico não muito acostumado às cravelhas de instrumentos mais antigos e tradicionais manter-se afinado. 

A captação era do mesmo estilo: um elemento piezoelétrico de rastilho. Porém com um desses pré-amplificadores genéricos encontrados em violões eletro-acústicos de custo mais baixo. Essa adição é, na minha opinião, escelente. Você ganha um instrumento com de eletrônica ativa com vários controles nas mãos: equalização de quatro bandas em pequenos potenciômetros deslizantes e um potenciômetro rotativo diminuto de volume. Ao lado o compartimento para uma bateria de 9 volts e acesso muito facilitado. Com esse instrumento ficou ainda mais fácil se conectar aos setups modernos.




Há um bom tempo atrás pude ver, mas não experimentar, um modelo de alaúde fretless da GODIN. No próximo vídeo o fantástico David Torn mostra o que acha interessante num instrumento como esse e como se pode levar algumas ideias para se usar na guitarra com alavanca...