segunda-feira, 25 de março de 2024

Fuzzelagem - Episódio 5

Interfax Harmonic Percolator HP-1



Um dos maiores fetiches do mundo dos adoradores de pedais de fuzz, objeto de discussões em fóruns sobre construção de pedais e o grande mistério sobre qual era realmente o circuito original e "perfeito" de um determinado pedal foi ( e de certa forma ainda é... ) o Interfax Harmonic Percolator HP-1! E eu confesso que ingressei de cabeça nessa treta toda...rs. À época eu frequentava, além de ser assíduo colaborador com o site brasileiro e pioneiríssio handmades.com.br , alguns outros fóruns gringos que centralizavam grande parte dos que hoje são reconhecidos  bem sucedidos fabricantes de pedais por todo o mundo. Era muito bonito ver na maioria das vezes as pessoas postando com muito boa vontade e desejo por desfazer os mistérios por trás de alguns circuitos "perdidos" ao longo do tempo...

Meu interesse pessoal ( especialmente pela sonoridade distinta ) foi despertado há bastante tempo, mas já com a internet começando a bombar com a web oferecendo conteúdos multimídias... Um site antigo, que não consegui reencontrar até o momento, trazia fotos, um pequeno texto e alguns arquivos de áudio sobre alguns pedais não muito conhecidos, porém muito interessantes segundo o autor. Um deles era o Harmonic Percolator!  As duas características mencionadas do folheto que acompanhava o pedal, e endossadas pelo responsável pelo web site, eram que o pedal reagia muito bem à dinâmica/controles da guitarra e que gerava basicamente apenas harmônicos pares! Já fiquei interessado nesse pedal desconhecido das massas e tão misterioso...rs. 

Harmonic Percolator Original
Esteticamente bem diferenciado, um painel bege apresentando apenas dois potenciômetros deslizantes e a chave de bypass. Sem Status LED nem entrada para fonte, aceitando apenas bateria de 9 volts, além de apresentar INPUT e OUTPUT trocados de lugar em relação ao que se tornou o padrão atual. Depois veio a cereja do bolo, já com advento do YouTube, eis que um vídeo do Sr. Steve Albini mostrando seu pequeno set e o som incrível que tirava de seu HP-1 original começou a correr os fóruns de eletrônica de pedais! Esse vídeo sim, se tornou o fetiche de muitos e criou outras dúvidas. Mostrava uma sonoridade única e cheia de "efeitos colaterais" que enriqueciam ainda mais as possibilidades sonoras do bichinho! Entre as possíveis variáveis que contribuiriam para a sonoridade final  podemos apontar algumas como: a guitarra usada por Albini, que é muito particular, o tipo de amplificação usada no video e mesmo nos albuns do guitarrista e produtor em que ele aponta o uso do HP-1, além do uso de um Noise Gate antes do pedal, o que no mínimo já coloca um buffer entre a entrada do efeito e a guitarra. Mas o grande mistério: todos os modelos de HP-1 originais soariam desse mesmo jeito? 

E mais interessante que as questões colocadas pela maiotia dos interessados no pedal misterioso, é que a arquitetura do circuito é muito simples: apenas dois transistores e alguns resistores, capacitores e diodos, apesar de serem apontadas algumas possíveis versões, todas apresentam essa arquitetura. Daí começam as discussões sobre o que cada componente, além de seu valor nominal, contribuiria para o resultado final. Além da simplicidade do circuito é interessante lembrar que há apenas dois controles no painel do pedal: Harmonics e Balance! O controle de Harmonics é, grosso modo, um controle de volume de entrada do circuito, o que vai funcionar de modo direto como um controle de intensidade de  "Drive/Fuzz" e o Balance nada mais é que o nível de saída, o volume final da unidade. Caso se interessem pela história do pedal e da Interfax ( atualmente a marca parece pertencer ao Chuck Collins da Theremaniacs ) é só perguntar ao Google e ele oferecerá muitos web sites com essas informações. 

Eu mesmo montei várias versões e compartilhei os resultados nos fóruns. Em determinado momento tiva e sorte de esbarrar no técnico que cuidou do famosíssimo HP-1 do Steve Albini. Ele recriou o pedal com componentes similares e não obteve um resultado satisfatório. Mas felizmente fez medidas precisas do original. Eu então montei uma unidade com essas mesmas caracterísiticas dentro das minhas possibilidades e apelidei esse projeto de Albinatti. Os transistores usados foram exatamente os mesmos modelos dos descritos pelo técnico. Incluindo selecionei ambos por medições de ganho e corrente de fuga. É uma combinação interessante de um transistor de Germânio e outro de Silício. O resultado é muito bom, mas não achei tão próximo do que tinha ouvido em termos e "efeitos colaterais' e outros atifícios gerados pelo tal circuito. 

Mantendo todo o resto do circuito como reportado pelo técnico do Albini apenas testei outros transistores dos mesmos modelos, porém com características diferentes de medição. Assim cheguei ao modelo que mais me interessou e apresentou mais peculiaridades e até mesmo excentricidades e apelidei de HP-X II. Anteriormente eu já havia conseguido chegar a um circuito quase tão satisfatório quanto o atual que apelidei de HP-X I ( apelidado Espresso Tone Machine ) e que num segundo momento já testei uma ideia que mantive no mk II - apenas o controle de volume final, deixando totalmente a cargo dos controles da guitarra as possíveis variações de sonoridade. Esse último circuito ficou para mim o mais interessante e cheio de diferenças e possibilidades extremas de timbre e reações à guitarra ( controles, dinâmica e técnicas usadas ) incluindo realimentações acústicas bem usáveis ( feedback ) em altos volumes do amp. Uma característica que sempre me atraiu foi uma espécie de sub-oitava que se insinua e algumas vezes se mostra descaradamente junto à fundamental. Após ver um relato do próprio Steve Albini numa revista virtual especializada eu entendi que o uso de um Noise Gate, ou talvez algum tipo de buffer mesmo, seria parte integrantte do som final do músico! Passei a experimentar com essa ideia e pareceu realmente fazer o som geral do pedal se aproximar do timbre do Albini, criando um tipo de brilho não tão presente anteriormente. 

Ed'sModShop PercFuzz
No entanto, o uso de um volume de entrada ( o Harmonics ) parece ter um efeito mais interessante em relação a obtenção de timbres mais próximos de um drive leve do que apenas usar o volume da guitarra, principalmente se colocarmos o Noise Gate/Buffer entre a guitarra e o pedal. Já outro pedal que tive a felicidade de conseguir num "rolo" de equipamento foi uma versão do Percolator feita pela Ed'sModShop com a adição de um buffer ( ou mesmo um booster ) além de um controle de Bias e uma chave de Modo. Esse pedal é simplesmente surpreendente!!! É ainda mais cheio de idiossincrasias que outras versões a que tive acesso, sonzão, corpo e graves robustos. É realmente um pedal e tanto! Ainda exploro as possibilidades dessa versão e sempre encontro novidades sonoras... Quando esse pedal veio para minhas mãos ele já apresentava um visual, caixa e knobs diferentes dos mais comumente usados  nos pedais do Edu. Certamente sofreu um "re-housing". Eu gosto bastante da identidade visual dos Ed'sModShop, mas também curti o resultado estético desse e ainda adicionei um knob com escala em plaquinha de metal ( como o controle de volume de saída solitário no meu HP-X II ) no controle de Bias, esse que fica bem no meio do pedal e assim o visual ficou ainda mais nessa onda old techno. 

Chuck Collins HP-1 Reissue (THEREMANIACS)
Com o tempo surgiu a oportunidade de adquirir uma unidade de uma réplica, inclusive em termos estéticos, do Interfax Harmonic Percolator HP-1 do Chuck Collins, da Theremaniacs. Essa reedição é endossada como idêntica por muita gente, inclusive pelo próprio Steve Albini. Na verdade isso chegou a ser um problema, pois nos fóruns algumas vezes se postava a reedição como se fosse o original. O pedal é extremamente bem feito em termos estéticos, circuito e componentes. Porém eu não tive muita sorte nessa compra, pois em termos sonoros é um lixo, certamente algo está errado ou mesmo danificado nessa unidade... Com o tempo espero chegar à conclusão do que deve estar com problemas. Pelas medidas feitas sem dessoldar os componentes não descobri nada fora do comum, no entanto... Tentei entrar em contato com o tal Theremaniacs, pelo email em seu site e não obtive resposta! Esperei longamente a resposta que nunca chegou e acabei deixando de lado o possível conserto do pedal por ocupar meu tempo com outras questões e projetos... Espero ainda conseguir consertar esse belíssimo exemplar de HP-1 reeditado!






terça-feira, 12 de março de 2024

Eletracuzkos - #2

 Alaúde Fretless Elétrico e de corpo sólido!



Meu primeiríssimo instrumento foi a flauta doce ainda na escola pública, pois se ministrava aulas de música nas escolas públicas àquela época, e, além da flauta doce, aprendíamos o básico de escrita em pentagrama e um tanto de canto orfeônico. Porém o primeiro instrumento pelo qual me interessei e escolhi foi o cavaquinho. Aprendi o básico com o irmão de meu padrinho, o saudoso Lino, que me passou o "quadrado" e outros rudimentos harmônicos e rítmicos do cavaquinho "de centro". Já havia o fetiche pela guitarra elétrica e logo que possível passei para ela através de uma Giannini Apollo usada! Nunca abandonei completamente o cavaquinho e os encantos de instrumentos acústicos, ou eletroacústicos, de natureza mais étnica sempre me fascinaram... 


Mais tarde tive contato como técnico em meu antigo estúdio com o saudoso Mit Mujalli, que se tornou um super irmão, e a banda Luz da Ásia! Posteriormente pude inclusive fazer parte da formação final da mesma... Assim tive maior contato com a música étnica e a fusão desta com estilos modernos chamada de World Music. Concomitantemente minha fantástica irmã me trouxe da Turquia de presente um pequeno Saz ( ou Baglama, ou Buzuk... ) de seis cordas ( de aço ) afinadas duas a duas. Isso foi um divisor de águas para mim! Com o fascínio pelas músicas indiana, árabe, turca, balinesa, etc. procurei por possíveis instrumentos para aquisição. Eu estava muito próximo de adquirir um alaúde egípcio acústico tradicional ( muito bonito, diga-se de passagem ) quando conheci a tal possibilidade "guitarrística" do instrumento. Neste ponto, não lembro exatamente onde vi primeiro, mas finalmente conheci os alaúdes árabes elétricos de corpo sólido e captação por elemento piezo no cavalete. Ainda muito caro e dificultoso de importar, em conversas com o multitalentoso maestro, instrumentista e luthier Paulo Pereira de Freitas, pedi a ele que fizesse algo assim para mim. E ele fez o meu primeiro Al'ud elétrico e, digo tranquilamente, o fez muito bem! É este que aparece nas fotos mais antigas aqui na postagem. 

Ele está no meio do caminho entre o medieval e o árabe/turco. Tem doze cordas, seis cursos de cordas duplas. No caso do alaúde usa-se nos dias de hoje cordas de nylon com jogos parecidos com os usados em violões. O Maestro Paulo Freitas fazia seus próprios jogos de cordas. Depois descobri que a LaBella fazia jogos específicos para alaúdes turco/árabes. O braço era um pouco mais largo que os dos árabes ou turcos, como o do alaúde medieval. A "mão", ou o que seria o headstock num violão/guitarra, onde se encontram as cravelhas, ficava a 90º em relação à escala, como os alaúdes acústicos tradicionais. As cravelhas eram do mesmo tipo que se vê em instrumentos de corda como violinos, violas e violoncelos, com uma peça de madeira trespassando a madeira da "mão" do alaúde e com o furo para se prender as cordas e ter ação mecânica direta sobre a tensão das cordas.

Com o tempo eu substituí o captador piezo de rastilho, porém mantive a parte elétrica como era, sem pré-amplificação embutida, nem mesmo um controle passivo de volume no instrumento. Isso tudo era deixado a cargo de um "moderníssimo" ZOOM 504 Acoustic Compact Multi Effects Processor com um pedalzinho de expressão da própria ZOOM pra controlar o volume. Mesmo esse primeiro multiefeitos já imprimia muitas características sonoras interessantes que quebravam bastante a dureza da sonoridade do captador piezo de rastilho. Depois ainda usei um multiefeitos ZOOM A2, que vendi recentemente, e ainda uso uma A3, que é excelente para esse fim. Já para conseguir um efeito mais realista de uma sonoridade acústica usei um MOOER GE200 utilizando a possibilidade de carregar um Impulse Response de violão de nylon ( pois não achei o IR de um alaúde acústico ). Todas essas sonoridades estão presentes nos videos no final da postagem.

Alaúde Árabe


Alaude Medieval
O alaúde turco/árabe, entre outras diferenças básicas do alaúde medieval, é um instrumento sem trastes ( fretless ). Essa característica era a que ao mesmo tempo mais me seduzia e mais me assustava...rs. Felizmente o meu interesse e fascínio sobre esse instrumento me fez estudar e conseguir alguns bons resultados. As  possibilidades de articulação num instrumento fretless são sedutoras... E com cordas duplas de nylon realmente passava a ser algo muito diferente do que eu estava acostumado.

Outra característica diferente era como a corda é tangida. No alaúde medieval se usa o dedo para "beliscar" as cordas. No alaúde turco/árabe usa-se um plectro, ou palheta, comprido que mais parece um antigo aparato de plástico que se usava para manter bem esticados os colarinhos de camisas sociais. No meu caso, apesar de ter tentado tocar com esse plectrum específico, preferi manter a palheta de guitarra que já estava acostumado, com formato usual, apenas optei por uma espessura bem mais fina, bem "Light". Minha palheta referência para guitarra elétrica é a Fender Medium! Encontrei algumas até mais baratas que se encaixaram melhor na proposta!

A primeira questão em relação ao instrumento, seja ele acústico ou elétrico, seria definir a afinação básica do a ser usada. Após pesquisar bastante cheguei à conclusão de que o melhor seria usar uma afinação bem comum aos alaudistas árabes, toda em quartas, ficando assim do agudo para o grave: C - G - D - A - F e a mais grave em C ou usada como "drone", afinada levando em conta o tom da música a ser executada. Assim optei por usar apenas 11 cordas, 5 cursos duplos e o sexto simples para facilitar a reafinação! Essa afinação foi mais fácil e lógica para mim e facilitava a digitação de muitas peças árabes populares e até algumas turcas. O mais difícil no entanto foi passar a ter uma relação de memória muscular que torne cada vez mais precisa a afinação das notas digitadas. Paciência e estudo diário, não tem atalhos. Não me considero até hoje um alaudista de maneira alguma, apenas uso o instrumento por puro amor à sonoridade e possibilidades, mas ainda tento manter uma abordagem com um mínimo de proficiência.

Há alguns anos eu tive um acidente e a parte dos afinadores, a mão do alaúde, quebrou e isso me deixou sem instrumento. Ficava de ir visitar me u querido amigo Paulo de Freitas pra levar o instrumento avariado para seu criador consertá-lo. Mas nas correrias acabei por postergar bastante essa visita... Por outro lado surgiu a oportunidade de adquirir um Alaúde Elétrico feito na Turquia de um ótimo e conhecido guitarrista aqui do Rio - João Gaspar! Feito negócio, comecei a me adaptar ao novo instrumento. A largura do braço bem mais justa felizmente não comprometia a digitação de dedos gordos como os meus...rs. A parte de afinação tem um ângulo menos radical ( +/- 45° ) e usa cravelhas mais modernas e comuns para o músico popular, o que fica muito mais fácil para um músico não muito acostumado às cravelhas de instrumentos mais antigos e tradicionais manter-se afinado. 

A captação era do mesmo estilo: um elemento piezoelétrico de rastilho. Porém com um desses pré-amplificadores genéricos encontrados em violões eletro-acústicos de custo mais baixo. Essa adição é, na minha opinião, escelente. Você ganha um instrumento com de eletrônica ativa com vários controles nas mãos: equalização de quatro bandas em pequenos potenciômetros deslizantes e um potenciômetro rotativo diminuto de volume. Ao lado o compartimento para uma bateria de 9 volts e acesso muito facilitado. Com esse instrumento ficou ainda mais fácil se conectar aos setups modernos.




Há um bom tempo atrás pude ver, mas não experimentar, um modelo de alaúde fretless da GODIN. No próximo vídeo o fantástico David Torn mostra o que acha interessante num instrumento como esse e como se pode levar algumas ideias para se usar na guitarra com alavanca...


Ótimo canal para guitarristas que se interessam pelo alaúde turco/árabe: